Inesperadamente, porém, a jovem encontra-se novamente hospitalizada em estado muito grave, depois de “uma sucessão de complicações do ponto de vista clínico”. Algo “nunca antes ocorrido no seu panorama clínico”, conta a família.
O estado avançado da doença de Constança Braddell, como de outros doentes, pode deixar sequelas com repercussões graves no futuro. Isto, só por si, pode levar a um agravamento da doença. Sem conhecer em concreto a situação de saúde atual da jovem, Margarida Amaral, investigadora na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, explica os diversos cenários frequentes nestes doentes, como as infeções pulmonares e a falência renal.
A acumulação de muco espesso no interior dos pulmões (característica da doença), faz com que as poeiras e bactérias fiquem retidas. Se uma pessoa saudável consegue tossir e assoar-se para se libertar de muco e impurezas, os doentes com fibrose quística não conseguem fazê-lo sem ajuda — fisioterapia e medicamentos. As bactérias acumuladas no muco podem causar infeções, que serão tratadas com antibióticos, mas as infeções frequentes podem aumentar a resistência das bactérias aos medicamentos, dificultando o tratamento.
Além disso, um desequilíbrio nos sais minerais em circulação no organismo, que permitem que a água entre e saia das células, pode conduzir a problemas renais graves. No caso dos doentes com fibrose quística podem acontecer quando a pessoa foi exposta a muito calor ou exercício físico intenso. Impactos destes podem acontecer até com pessoas saudáveis, tal como se viu no caso da dura recruta dos Comandos.
Para agravar, o baixo índice de massa corporal é um fator de risco para o agravamento da situação clínica de doentes com fibrose quística e outras doenças respiratórias, daí que os doentes tenham de manter uma dieta mais calórica.
Além das condições de saúde do doente, há riscos associados ao próprio medicamento. Apesar de se ter mostrado seguro e bem tolerado nos ensaios clínicos, pode ter efeitos negativos em algumas pessoas, coisa que só se vai perceber à medida que o medicamento for sendo mais usado, explica Nuno Vale. Como exemplo, basta pensar no que aconteceu com os efeitos secundários raros associados às vacinas contra a Covid-19.
O investigador na área da Farmacologia lembra que este medicamento combina três fármacos diferentes — o que não é muito comum — e que basta um deles ter um efeito indesejável no organismo para o doente ficar numa situação clínica grave. Especialmente alguém como Constança e outros doentes que só tiveram acesso ao tratamento numa fase avançada da doença e quando já estavam muito fragilizados.
Para um medicamento ter o efeito pretendido é preciso que seja absorvido pelo organismo e metabolizado — transformado em algo que o organismo consiga usar. Isto, à partida, terá acontecido, a julgar pelos efeitos benéficos reportados pela doente, diz investigador do Cintesis (Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde).
O que não se sabe é se a degradação dos fármacos e produtos resultantes aconteceu corretamente ou se estes resíduos estavam a ser convenientemente eliminados do organismo. A acumulação, nem que fosse de um dos fármacos, poderia ser o suficiente para causar um efeito tóxico grave no organismo. Durante um tempo, só se notariam os efeitos benéficos e, a partir de uma certa quantidade, a toxicidade (envenenamento) poderia provocar um efeito secundário muito grave, ao nível dos rins ou fígado, por exemplo.
Entre outros problemas, os doentes com fibrose quística têm uma mutação (ou mais) que torna o muco que reveste o interior dos pulmões muito espesso, como uma cola que tapa o filtro e impede que as trocas aconteçam normalmente. Com os pulmões tapados, os doentes vão perdendo, gradualmente, a capacidade de respirar e de fazer chegar o oxigénio ao sangue.
A nível celular, o que acontece é uma desregulação da quantidade sais minerais e água entre o interior e o exterior das células — que culmina em mucosas extremamente desidratadas. Indo ainda mais ao pormenor: a mutação mais frequente afeta um gene responsável por fabricar a porta de entrada para os iões cloreto e bicarbonato. O gene consegue passar a mensagem para o fabrico da proteína, mas é incapaz de lhe dar as instruções sobre a sua função. Logo, a proteína está lá, mas não faz o que lhe compete.
O medicamento Kaftrio usado por Constança Braddell e por outros doentes com fibrose quística em Portugal, tem como missão restituir a função da proteína, explica Margarida Amaral, professor de Biologia Molecular. Ou seja, traz a proteína do interior da célula até à membrana (onde tem de funcionar como porta) e mantém esta porta a funcionar para que a troca de iões aconteça dentro da normalidade.
O resultado é que o muco fica mais húmido, menos espesso, pode ser libertado e os doentes começam a respirar melhor — muito melhor. Margarida Amaral conhece, além de Constança, outros casos de sucesso com a toma deste medicamento.
O que pode explicar o agravamento súbito do estado de saúde de um doente com fibrose quística? - Observador
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