Rechercher dans ce blog

Thursday, November 25, 2021

“Get Back”: o que sete horas no sofá com os Beatles nos dizem sobre o último ano da banda - Observador

A experiência de gravar “Hey Jude” numa sala cheia de fãs, no interior dos estúdios Twickenham, relembrara os quatro Beatles que era possível compor ao vivo canções sem maquilhagem, sem o auxílio das técnicas de edição e produção de som em que se tinham especializado. E o grupo estava decidido a voltar a depurar as canções até ao esqueleto: tocadas e cantadas ao vivo, compostas por todos em tempo real. Já Michael Lindsay-Hogg tinha outra tarefa. Fora encomendado ao realizador filmar ensaios e um concerto, que seriam incluídos num suposto “especial televisivo” que não chegou a acontecer — acabando preterido por um documentário.

Uma das maravilhas que as sete horas com os The Beatles editadas por Peter Jackson permitem é perceber como os The Beatles construíam canções. Camada a camada, Paul McCartney — quase sempre no comando do grupo —, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr vão transformando riffs iniciais, notas soltas e melodias em “Dig a Pony”, “Across the Universe”, “I Me Mine”, “Let It Be”, “I’ve Got a Feeling”, “One After 909”, “For You Blue” e “Get Back”, entre outras. Tudo temas que acabariam incluídos em Let It Be, o disco.

Essa construção de canções é por vezes tortuosa, percebendo-se por exemplo que John Lennon (com Yoko Ono sempre a seu lado) estava mais desligado das tarefas de composição e que George Harrison se sentia menosprezado e pouco tido em conta por Paul McCartney, que assumia as rédeas das principais decisões líricas e de som da banda. Mas é também uma composição lúdica, pouco rígida, talvez até desorganizada em excesso.

Quando os The Beatles iam para estúdio gravar um disco, o que acontecia mais habitualmente era chegarem já com algum grau de preparação, com esboços de canções e ideias de temas e de letras para gravar.

Assistindo a Get Back, é possível perceber que as sessões de janeiro de 1969 foram diferentes: com um especial televisivo em mente, vê-se uma descontração que não se diferencia assim tanto de caos organizativo, com os planos a mudarem constantemente — o especial televisivo passa a documentário, ninguém sabe onde vai ser o tão propalado concerto e as hipóteses vão de um anfiteatro na Líbia aos estúdios em que ensaiavam — e as canções novas a nascerem ali, mais do que a serem apenas finalizadas e gravadas.

Há uma certa humanização de quatro homens que entretanto ganharam estatuto de mitos, também. Essa humanização está nos momentos mais lúdicos das gravações: nas muitas piadas e gargalhadas, num sapateado de Ringo Starr, numa dança de John Lennon agarrado a Yoko Ono, em Ringo a ver McCartney ao piano e a confessar candidamente ao realizador que “pagava só para o ver tocar piano durante uma hora”, na forma como a banda tocava incessantemente uns segundos de canções alheias (covers que parecem infinitos) só para aquecerem os motores e para se divertirem. E, claro, nos últimos dias em estúdio, já bem mais ilustrativos da genialidade dos The Beatles do que os primeiros, e no concerto final improvisado no telhado da sede da Apple Corps, a empresa criada pelos The Beatles.

Abundam assim os momentos animados das gravações, aqueles em que a banda parece estar a tocar melhor do que nunca, em que os quatro parecem simplesmente miúdos de Liverpool com uma boa dose de loucura, em que a criatividade transborda de tal forma que permite-nos ouvir os primeiros esboços de canções brilhantes que entrariam em Abbey Road, o último disco a ser gravado pelos The Beatles.

Há momentos mágicos para qualquer fã que se preze dos The Beatles. Por exemplo, ver Paul McCartney ao piano e com um microfone a testar um primeiro esboço de “Let It Be”, ainda sem a letra definida, ainda à procura do tom certo para a canção, com Lennon e Harrison a aderirem ao “ensaio” e a tentarem com a voz (mas ainda sem palavras, à exceção do refrão) fazer melodias e harmonias.

O que não se pode dizer é que todas essas cenas não coexistem com tensões notórias em que a banda já vivia. Peter Jackson mostra-as com uma qualidade de som e imagem que não julgávamos possível, mas foi Michael Lindsay-Hogg que as captou em 1969. Fê-lo empregando técnicas mais e menos ortodoxas, que iam desde deixar as câmaras a gravar sem operador e com a luz que indicia que está a decorrer uma gravação tapada até plantar microfones escondidos para captar conversas que os protagonistas não queiram que fossem ouvidas.

Além de mostrar o que Michael Lindsay-Hogg captou mas não pôde mostrar no seu filme de 1970, Peter Jackson e uma vasta equipa de que se rodeou quiseram também incluir conversas que o próprio realizador à época não conseguiu registar em áudio ou vídeo. Parece impossível, mas explica-se rapidamente. Quando os quatro membros da banda queriam tornar as suas conversas impercetíveis, tocavam notas soltas nas guitarras elétricas para distorcer e tornar inaudível aquilo que diziam. O que Jackson e a sua equipa conseguiram fazer foi, com recurso a código e inteligência artificial, retirar o som dos instrumentos nesses momentos, ficando apenas com o que Lennon, McCartney, Harrison e Starr discretamente diziam.

Adblock test (Why?)


“Get Back”: o que sete horas no sofá com os Beatles nos dizem sobre o último ano da banda - Observador
Read More

No comments:

Post a Comment

Rafael e Miguel tentam descobrir o motivo da história do «gato» ter dado confusão - TVI

No Big Brother – Desafio Final, Miguel Vicente iniciou a manhã com uma missão para todos: «Salvar o gato» e repetiu diversas vezes a histór...